segunda-feira, 23 de janeiro de 2006

RESCALDO O professor de origem humilde, incapaz de qualquer assomo de arrogância cultural porque exclusivamente entretido com manuais e aulas de economia, foi eleito Presidente da República, apesar do sobressalto de última hora: as décimas desciam a cada freguesia contabilizada. Mas, o destino estava traçado e aos 3 minutos para as dez horas da noite a aritmética já não permitia qualquer surpresa. Cavaco Silva saiu, então, de casa para o CCB certo da vitória eleitoral. Preparara meticulosamente aquele momento durante dez longos anos, como qualquer político profissional. A ambição e a desforra da derrota eleitoral de 1996 foi um sonho acalentado durante muito tempo que – com mérito, reconheça-se –, conseguiu transformar em realidade. Para aqui chegar contou com algumas ajudas, obviamente. Mas isso não é nada de extraordinário: trata-se apenas da estrelinha da sorte que cintilante protege os que acabam por vencer. A ajuda mais inesperada veio dos socialistas: já a Primavera de 2005 se esfumara e ainda não havia notícia de candidato. António Guterres não é certamente e António Vitorino nem pensar. Será Freitas do Amaral? No nevoeiro que se adensa, Manuel Alegre mete-se em bicos dos pés, enquanto Jerónimo de Sousa e Francisco Louça marcam o seu território. Neste quadro desastroso, Mário Soares – o velho lobo-do-mar – agarra o leme e, com uma energia inusitada, não desiste de lutar. É evidente, para ele Mário Soares, como é evidente para o comum dos mortais que, com Manuel Alegre como candidato do partido socialista, o tapete vermelho será estendido a Cavaco Silva. Mas, Manuel Alegre, entre dois poemas, um romance e duas caçadas, não tem tempo para pensar nisso. Ainda hoje, depois das eleições, não entende que só obteve aquela votação porque não foi o candidato do partido socialista, mas um candidato contra o partido socialista. Manuel Alegre não entende que, numa segunda volta, só Mário Soares tinha hipóteses de derrotar Cavaco Silva. E assim, com os resultados que todos conhecemos, se escreveu – supõem muitos – a história dos nossos dias. Mas atenção, nós somos apenas protagonistas do efémero. A história dos nossos dias será interpretada objectivamente, despejada das emoções que nos toldam, daqui a alguns anos pelos vindouros. A candidatura de Mário Soares e esta batalha que travou fará parte da memória. Manuel Alegre fará parte do esquecimento.

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