quinta-feira, 29 de junho de 2006

Manual do bom intelectual puritano de direita.
1. Escreva até à exaustão que detesta futebol - essa coisa deplorável, primária, própria da populaça iletrada e inculta. Explique detalhadamente como esta euforia o incomoda pessoalmente mas, sobretudo, como serve os interesses de um governo que nos desgoverna. Se puder – melhor, se tiver imaginação para isso – invoque um exemplo da violência patética da turba que invade as ruas após cada jogo (por exemplo, que lhe riscaram o guarda lamas do carro ou que vomitaram no tejadilho). 2. Quando lhe der na gana, estiver chateado ou simplesmente concluir que em nada contribui para o Valor Acrescentado Bruto da Nação, o que lhe dá um certo calafrio, procure em Aristóteles (ou em Platão, talvez seja mais fácil) uma qualquer bujarda contra as mulheres, contra a democracia, enfim, contra qualquer coisa que o irrite profundamente: encontrará sempre uma citação apropriada. Se alguém, em consequência, lhe chamar reaccionário, salazarista ou outro elogio do género, não se atemorize: desenvolva o tema à volta dos clássicos gregos (demonstra a sua cultura - muito livro em cima do lombo - e, além disso, ninguém vai notar que eles já morreram há uns anitos).
3. Nunca se esqueça de afirmar que Portugal é uma merda; que o governo é uma merda; que os portugueses são uma merda; que o seu vizinho do lado é uma merda; que toda a gente que você conhece é uma merda. E no exercício livre desta sua opinião, não diga, nem escreva abertamente - por uma questão de pudor - mas, ao menos, insinue que você não é uma merda. (Se tiver queda para a escrita, aqui, neste ponto, pode desenvolver melhor e, com mestria, demonstrar que você não é uma merda porque não vomita para cima do tejadilho de carros de gente séria, como você, que não sai à rua com a bandeira nacional).
(continua)

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