sábado, 9 de setembro de 2006

Democracia, intelectuais e América Latina.

A primeira vez que estive em Caracas, em 1993, estava Hugo Chávez preso, na sequência da tentativa de golpe militar de 4-F de 1992. Andrés Peréz, ainda Presidente da República (tive o grato prazer de conhecer pessoalmente, pese embora as acusações de corrupção que naquela data era alvo) estava à beira da destituição. Passei por Caracas, de novo, em 1994. Já tinha, então, sido eleito Presidente da República Rafael Caldera que, pouco depois de tomar posse, amnistiou Hugo Chávez. Nessa altura, quer em 93, quer em 94, a vida política venezuelana fervilhava em intensas discussões sobre corrupção e o golpismo. Nos jornais, nos cafés, nas ruas. De todos os livros que comprei para entender melhor o que estava em causa, destaco um livro de Aníbal Romero, intitulado Decadência y crisis de la democracia. Não resisto a transcrever uma breve passagem (traduzida por mim), mesmo sabendo que me alongo:
«Disse Mário Vargas Llosa que "sobre os latino-americanos pesa, como uma lápide uma velha tradição que o leva a esperar tudo de uma pessoa, instituição ou mito, poderoso e superior, perante o qual abdica da sua responsabilidade civil”. Desta espécie de malefício, lamentavelmente, nem sequer escapam os nossos intelectuais, que com reiterada frequência sucumbem face ao autoritarismo revestido de salvacionismo e se metem de cócoras perante os “homens fortes”, estilo Fidel Castro e – salvando-se as necessárias distâncias – Hugo Chávez. (…) O posicionamento destes intelectuais, entre os quais se contam alguns dos mais prestigiados do nosso país, foi tão simplista como nocivo: partiram do princípio que o golpe de 92 foi feito contra um governante corrupto e, por isso, os levantamentos militares se justificavam. Em consequência, os responsáveis por esse golpe que ocasionaram destruição e morte e que romperam abertamente com o ordenamento constitucional do país, devem ser perdoados já que, longe de serem condenadas as suas acções, são dignas de elogio – os golpistas são “heróis” da democracia”.
(Aníbal Romero, Decadência y crisis de la democracia, 1994).

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