segunda-feira, 25 de setembro de 2006

Sair o tiro pela culatra.

Meu caro Pedro: ando a insistir neste assunto há algum tempo. (aliás, fico incomodado, sinceramente, quando vejo que as mais acutilantes críticas à actuação do Presidente, sobretudo ao nível da blogosfera, provêm de alguns dos seus mais acérrimos apoiantes durante a campanha eleitoral - um exemplo patético é JCS que foi ao ponto de esconder o seu passado não permitindo o acesso ao que aí foi publicado nos meses anteriores.) No entanto, eu sou mais comezinho na análise das motivações de Cavaco Silva: primeiro, Cavaco sabe que, no essencial, José Sócrates está a fazer o que é necessário na situação em que Portugal se encontra. Mais: Sócrates está a fazer aquilo que Cavaco faria se estivesse no seu lugar (hoje, com a experiência que tem de quando foi primeiro-ministro e dos erros que cometeu, de que o exemplo mais actual foi o regime de carreiras e remunerações da Função Pública que Eduardo Pitta hoje desmontou). Daí o apoio por acção ou omissão ao Governo; segundo, Cavaco não acredita nos méritos governativos da actual direcção do PSD e teme, por experiência própria, a ganância do aparelho do seu partido; terceiro, Cavaco não quer ficar na história como o primeiro Presidente a não conseguir ser eleito para um segundo mandato (aliás, sabe como o confronto “esquerda/direita” é complicado nas presidenciais) e, por isso, este primeiro mandato joga em dois tabuleiros – obter o apoio do PS (como Mário Soares obteve o apoio do PSD em 1991) ou, caso falhe esta hipótese, ter assegurado apoio informal no eleitoral socialista que permita a reeleição sem sobressaltos. As “interpretações dos poderes constitucionais”, com todo o respeito, ajustam-se sempre às circunstâncias. Teremos oportunidade de ver como serão outras essas interpretações constitucionais num segundo mandato. Quanto ao ódio que Cavaco nutre por certa direita estamos de acordo. É uma questão psicológica, mas sobretudo de origem de classe. O que é facto, após seis meses de mandato presidencial, é que a direita que queria ver Cavaco como seu ponta de lança já percebeu que lhe saiu o tiro pela culatra: o Presidente da direita está, no essencial, de acordo como o governo do PS. Ainda bem para o país!
(PS: Escrevo sobre este assunto com a tranquilidade de quem apoiou e votou em Mário Soares - tal como o fiz desde Abril de 1975).

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