Hoje foi notícia a deslocação de José Saramago à Azinhaga, sua terra natal, onde passa o seu 84º aniversário e lançou o 39º livro. Ao ouvir as suas palavras enevoadas pela emoção – um homem não chora, disse –, pensei: o que teria sido o percurso deste homem se, em 1975, a história tivesse tomado outro rumo. E deitei-me a adivinhar: teria saído directamente da direcção do Diário de Notícias para ministro da Propaganda no governo revolucionário presidido pelo Dr. Álvaro Cunhal. Aí, no zeloso desempenho desse cargo, seria a primeira voz a mandar encerrar todos os órgãos de comunicação social contra-revolucionários, a proibir a publicação de todas as obras literárias que não tecessem loas à revolução e a perseguir e a encarcerar todos os artistas que não compreendessem o carácter progressista e revolucionário da revolução democrática e popular dirigida pela classe operária e pelo seu partido – o partido comunista português. Neste período, deslocar-se-ia várias vezes a Moscovo, onde receberia instruções directamente de Leonid Brejnev, Aleksei Kossygin e Nikolai Podgorni, com direito a fotografia ocupando toda a primeira página dos jornais portugueses. Atrevo-me a imaginar que, maldade minha, face à sua ortodoxia, aí pelos anos 78/79, Cunhal o promoveria a ministro do Interior, entregando-lhe a chefia directa das polícias políticas, dos serviços secretos e das prisões. Nessa altura, e com as prisões a abarrotar, defenderia a pena de morte para todos os contra-revolucionários e os inimigos do povo. Com a medalha de herói da União Soviética ao peito nunca mais teria escrito uma linha, a não ser naqueles despachos em que mandava introduzir uma bala na nuca dos presos, nem nunca mais teria voltado à Azinhaga. E dou por mim a pensar como estou feliz por José Saramago ter escrito o seu 39º livro e ter voltado à Azinhaga. Como diz o povo: há males que vêm por bem!
sexta-feira, 17 de novembro de 2006
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