quarta-feira, 8 de novembro de 2006

Notícias.

Todos os dias - todos sem excepção - nos dão estas notícias: «Atentado suicida faz 17 mortos num café de Bagdad». Já ninguém dá a menor importância a estas mortes. Esta situação faz-me lembrar o que o escritor José Marmelo e Silva me contou um dia, há muitos anos, a propósito de qualquer episódio que agora não me ocorre: a D. Carminda, senhora de pergaminhos burgueses, tinha por longínquo hábito, após o almoço, dormitar enquanto lia o seu jornal preferido – O Século. Sentada na poltrona junto à janela ia folheando o jornal à medida da sonolência. Na página das notícias internacionais leu o título em parangonas: «Terramoto na Índia provoca 46 000 mortos». Seguiu de imediato para a página seguinte sem se deter nos pormenores do cataclismo na Ásia, depois de passar pelas brasas mais uns minutos. «Coitados» – disse a meia voz ao ler nas notícias nacionais: «Despiste de autocarro na Pampilhosa da Serra provoca 4 mortos e 16 feridos». Na intermitência entre a leitura e o dormitar chegou à Local, onde se demorou por muito tempo até passar os olhos pelo canto inferior direito da página. «Meu deus, que desgraça» – quase gritou quando leu a meia dúzia de linhas que compunha: «O coronel reformado Flávio Costa, ilustre benemérito desta cidade, foi ontem atropelado na Avenida da Boavista. Transportado de imediato ao hospital, e depois de submetido a vários exames médicos, foi diagnosticado uma fractura da perna esquerda. O senhor coronel já se encontra em sua casa em convalescença. «Maria, Maria» – gritou alvoraçada a senhora D. Carminda – traz-me o xaile depressa que tenho que ir visitar o senhor coronel. O "nosso" mundo é sempre mais importante do que o mundo dos "outros".

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