Vamos brincar à pena de morte.
Hoje, nas minhas leituras matinais, transcrevi o que me pareceu a síntese da interpretação da sentença proferida contra Saddam feita nos editoriais do Público e do Diário de Notícias. No fundo, cada uma das posições reflecte a clivagem entre aqueles que aplaudiram, de pé e na primeira fila, a invasão do Iraque, como o combate da democracia contra o terrorismo e aqueles que, prudentemente, desde o primeiro momento, foram avisando que tal invasão não se justificava. Os primeiros estão agora envergonhados. Envergonhados – repito. É o que significa a frase de José Manuel Fernandes: “o julgamento de Saddam é um pequeno sinal de normalidade na anormalidade iraquiana”. Esqueceu-se, por vergonha, de referir quem criou essa “anormalidade”. Como se esqueceu de referir – um editorialista que está sempre atento a pormenores menos significativos – porque motivo a dita sentença foi marcada na véspera de eleições nos Estados Unidos. Os segundos, mantêm a mesma coerência, como escreve Helena Garrido: “validar um julgamento com regras quase iguais às do ditador e aceitar a pena de morte faz de nós cúmplices das atrocidades de Saddam.” Sabemos – todos os que não são ingénuos – que Saddam tem que ser executado, independentemente dos crimes que cometeu, da parcialidade do julgamento a que foi submetido e de tudo o mais. Ninguém quer correr o risco de voltar a ver Saddam de novo no poder no Iraque – tal é o medo dos americanos cientes do clima que lá semearam. Mas a cereja em cima do bolo foi colocada pela repugnante hipocrisia de Blair – que decidiu mais sobre o veredicto do Tribunal do que qualquer dos juízes que o compõem – ao declarar hoje: “estamos contra a pena de morte”. Já cá não estarei, naturalmente, como não estará nenhum dos presentes, mas daqui a 100 anos ainda muito se escreverá sobre o desastre político-militar da invasão do Iraque. Só não vê quem não quer ver.
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