Citações.
Hoje, a propósito da "quadra natalícia", com grande sentido de oportunidade, João Gonçalves recorda Vitor Cunha Rego. Não resisti a transcrever o texto citado e recordar com muita saudade o seu autor.
"Recusam-se a pensar. Mesmo a apenas três dias do natal, o momento em que Deus se fez homem na palha de uma gruta, a maioria das pessoas precipita-se atrás de tudo o que pensa ser diversão, entretenimento, consumo, modismo. Vão acabar exaustos, atordoados de tanta correria. É como se estourassem de inconsciência, na periferia de si próprios e de um mundo de cujo mistério nem sequer querem ouvir falar. São multidões de solitários. Fogem de qualquer luta, afrouxam-se em submissões, aceitam não ser donos deles mesmos. Nem sequer sabem que estão sós porque a solidão desliza sobre eles sem deixar vestígios como a água na pena dos cisnes. Todos nós somos convidados para entrar num castelo, diariamente, vá lá saber-se por quem. Pode o castelo estar cheio de esplendores e de multidão ruidosa que não deixará de acabar em sepulcro, mais depressa do que seria de esperar, se não desconfiarmos dessa exaltação de fraquezas e se, quando ficarmos sem fôlego, não soubermos que esse é o momento de nos reencontrarmos, reconquistando a dignidade e a personalidade. O castelo é um inferno onde cada instante é um milagre. Agarrar esses instantes, que formam o tempo, escapar da ladainha dos que mergulharam no ruído, viver como um desafio, ter a honra de não se submeter a quem não merece submissão e de depender do amor de quem merece essa dependência, é o que deveria ser - se pensássemos. Mas só quando se está cansado de nunca estar só é possível vencer a violência da solidão e pensar no que vale a pena. As coisas são o que são.""(...) A maioria mostra-se incapaz de compreender que, não sendo o tempo a passar mas ela própria, não lhe resta alternativa: ou regressa a Cristo ou ele não será mais do que um objecto que a não pode salvar (...) Ele, se nós soubermos receber Cristo, permite escapar aos tranquilizantes que nos adormecem e aos estimulantes que nos dão corda, substitui e dá grandeza à banalidade do quotidiano, essa máquina onde tudo já foi dito e redito. Dizia Alain, tão insuspeito, que o natal não é uma noite nem um fim - é uma aurora e um começo. Mas só é assim se nos recordarmos a todo o instante que Jesus nasceu e viveu na maior pobreza material e na maior riqueza do coração.""(...) A fé é, antes de tudo o mais, Jesus Cristo nascido na palha de uma pobre gruta. Não pode, por isso, deixar de ser a inspiradora de um radicalismo evangélico que obriga o homem a ir ao fundo das coisas e a não se resignar perante as injustiças, por mais que a mansidão lhe tenha sido ensinada"."(...) O Advento passou ao lado da maioria de nós, mergulhado no consumismo e no oportunismo. O Natal não passará despercebido. Passará apenas"."(...) O Natal é o sorriso de Deus num mundo que teima em prosseguir com teofanias desnecessárias e egoísmos aterradores. Sem esse sorriso a vida seria apocalíptica. O tempo seria apenas uma espera sem sentido, a miséria seria aceitada e aceitável e a opressão tolerável e tolerada. Mas há um sorriso e há forças para lutar por um reino de homens e mulheres livres."
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