Salazar
Li Os amores de Salazar, de Felícia Cabrita, há 6 anos, altura em que foi editado pela primeira vez (não entendo como se quer fazer crer que esta nova edição é a primeira). Desde a primeira leitura entendi que, pese embora a investigação e a especulação andassem a par, tratava-se de um livro destinado a reabilitar a imagem Salazar, sobretudo a humanizá-lo. A narração de alguns dos seus vários amores é um elogio a Salazar. Afinal, o velho ditador de Santa Comba Dão não era assim tão “austero, virtuoso e casto” quanto ele próprio fomentou enquanto imagem de marca. Era, afinal de contas, um homem comum, tocado como todos os mortais pelas paixões, pelo amor e pelo sexo. E é aqui que se levanta a questão mais interessante na interpretação dos seus amores: é um dissimulado que esconde a sua “natureza” e vende a imagem inversa ou, apenas, martirizado pelo “destino”, sacrifica os seus interesses e desejos pessoais à “missão histórica de servir a Pátria” que a si próprio atribuiu? A última coisa de que posso ser acusado é de ter qualquer tipo de simpatia pelo salazarismo, mas não tenho dúvidas de que Os amores de Salazar, ao contrário do que alguns pensam, suscita uma outra leitura do personagem. Livros atrás de livros têm sido publicados nos últimos anos sobre Salazar, sinal de amadurecimento democrático. Até o meu amigo João Paulo Cotrim se aventurou no tema. Não podemos separar o homem da Ditadura a que deu corpo e alma, mas o caminho está aberto para encontrar no homem uma personalidade com virtudes que não são de jogar liminarmente pela borda fora. Estamos apenas, por agora, a falar de amores.
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