Maioria de esquerda?
.A propósito do pedido de demissão de Romano Prodi, Daniel Oliveira disserta sobre uma questão pertinente: devem os partidos de extrema-esquerda (a terminologia é minha) participar numa coligação de Governo com a esquerda democrática se e quando a oportunidade aparecer? Participar num governo de coligação pode significar deitar o seu programa político para o caixote do lixo; não participar pode significar o degredo e a persistência na “cartilha ideológica ou o populismo de circunstância.” - Reflecte Daniel Oliveira. E, no último parágrafo destas interessantes interrogações, conclui: “a resposta às repetidas dúvidas sobre a disponibilidade da esquerda para a governabilidade é esta: depende. Depende do governo, das circunstâncias, do peso de cada um. De tudo. Mas a disponibilidade não pode ser tão pouca que o poder seja apenas uma projecto sempre adiado. Nem tanta que o programa político seja apenas um objecto decorativo. Sendo certo que um partido que não se vê a si próprio no poder não é um partido. É um hobby. E se só imagina no poder daqui a cem anos é pior que um hobby. É uma perda de tempo.”
Em minha opinião, esta reflexão é eterna e peca exactamente por não ter em linha de conta a história do movimento operário internacional. Ou seja, qualquer “maioria de esquerda” governamental passa por resolver antecipadamente o diferendo ideológico entre Marx e Bernstein (Kautsky, também de certo modo). Os desenvolvimentos deste diferendo ideológico não se complementam. Opõem-se. Esta é uma questão programática e decisiva para a qual não há solução enquanto a extrema-esquerda não assimilar Bernstein ao seu património ideológico. Outra questão, menor, mas relevante é pragmática: qualquer partido socialista ou social-democrata europeu só se coliga para governar com a extrema-esquerda se estiver demasiado debilitado eleitoralmente e não tiver qualquer outra solução à mão. Junta-se a fome com a vontade de comer. Acontece, porém, nesta circunstância, que a tentação da extrema-esquerda para sobrepor Marx a Bernstein é muito grande. E lá vai tudo por água abaixo enquanto arde um fósforo. Está provado, não precisa de mais demonstrações. São dois caminhos que se distanciaram: um deu a defunta União Soviética; outro contribuiu decisivamente para a Europa democrática. Juntar estes dois caminhos é fazer um pântano.
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