||| Cenas do quotidiano.
Um meu querido amigo, chamo-lhe agora, aqui, Zé da Esquina, por comodidade e para o manter no anonimato, tem – sempre teve – todas as condições económicas e sociais para ter «bom gosto». Desde logo, por razões de cabedais e família, que me dispenso de pormenorizar. Até tirou um curso superior e é, sem desprestígio, funcionário público. Mas, talvez um código genético ancestral ou, quem sabe, qualquer outra deformação longe do meu entendimento, não lhe deram essa sorte. Não me refiro ao facto de ser um assíduo frequentador da Zara; nem sequer ao facto de não ter um único livro em casa (presumo que nunca terá lido uma obra de ficção em toda a sua vida); e, muito menos, me refiro à «decoração» do seu apartamento, onde jantei duas vezes: um misto de «vitoriano» à Moviflor com requintes de Braz e Braz. Refiro-me, isso sim, ao facto de, quando casou, há vinte anos, ter trocado um apartamento num bairro histórico de Lisboa, com vista sobre o Tejo, construído em 1858, por uma «vivenda» num duvidoso emaranhado urbanístico em Tires, zona cada vez mais degradada. No último jantar, interroguei-o sobre os fundamentos de tal decisão, ao que me disse: terceiro andar sem elevador, sem garagem para estacionar os carros, torneiras a pingar, o soalho carcomido (estamos a falar de casquinha com 150 anos) e por aí fora. Tudo bem, cada um escolhe o que lhe dá na real gana. Mas, ontem, quando visitei o seu blogue e vi a reprodução das imagem dos badalados «projectos de José Sócrates», ainda por cima, com comentários jocosos, não resisti: mandei-o à merda (foi muito mais, mas fico por aqui), por e-mail. Perdi um amigo, mas fiquei tranquilo com a minha consciência. (Adenda: recebi um e-mail de um anónimo que, pelo bom humor, transcrevo na íntegra: «tu apoias o Sócrates e não sabias como mostrar um daqueles mamarrachos e até te deste ao trabalho de escrever essa treta toda só para mostrar a fotografia. Vai lá vai, até a barraca abana».)