||| Histórias da República [3]
«(...) em Lisboa, os monárquicos, com excepção dos que foram apanhados em Monsanto gozavam de ampla liberdade, faziam os seus conciliábulos, entregavam-se como sempre à campanha dos boatos. Foram eles que espalharam a notícia, de que se fez eco a imprensa estrangeira, de que navios de guerra ingleses se opunham a que o Porto fosse bombardeado. Em Lisboa esteve um único navio de guerra inglês, o Liverpool, que entrou e saiu, e no Norte apenas constava ter entrado o cruzador Diadème, mas o governo de Lisboa fazia desmentir formalmente que qualquer deles tivesse intervido - escrevia 0 Mundo – «a favor de cidades, ou de indivíduos portugueses.» (...) 0 equívoco – mais um equívoco! – em que o governo Relvas caiu solidarizando a República com o sidonismo, ou aceitando a solidariedade dos sidonistas, está produzindo os seus frutos e sabe Deus quantos produzirá ainda! A opinião republicana, mais esclarecida do que a dos homens que a dirigem, não aceita visivelmente essa solidariedade, procura ainda surdamente, mas de um modo manifesto já, combater o equívoco, purificar a atmosfera política, restaurar definitivamente a República. Deste antagonismo vão sair – ai de nós! – novas lutas. A manifestação mais característica deste equívoco foi a sessão do Senado, no dia 30 de Janeiro. Como se não houvesse em Portugal uma guerra civil, como se os monárquicos não tivessem restaurado a monarquia no Norte e não houvessem hasteado a bandeira azul e branca nos muros do Porto, como se ali mesmo em Lisboa, poucos dias antes, não se tivesse travado uma luta sangrenta para defender a República, isto é, como se nada disto se tivesse passado, como se tudo isto fosse um sonho e tudo continuasse como dantes, sob Sidónio Pais ou sob Tamagnini Barbosa, o Senado reuniu com a sua maioria sidonista e a sua minoria monárquica e discursou, deliberou como nos dias mais correntes da ditadura: 0 senador monárquico Domingos Pinto Coelho prestou homenagem à memória do presidente da República Brasileira Rodrigues Alves, o presidente Zeferino Falcão manifestou o seu pesar por só então, poder o Senado associar-se ás manifestações de pesar da Câmara, pela morte do presidente Roosevelt. A estes votos associaram-se outros senadores monárquicos – o visconde de Carriche, o Castro Lopes ... Introduziu-se na sala um novo senador, deliberou-se agregar um outro à comissão de infracções. Estavam presentes 30 senadores e não diríamos que Portugal se encontrava em guerra civil, se Machado Santos, que continua à solta, sem que a República ponha definitivamente um termo às suas loucuras, não tem apresentado um projecto de lei que o faria baixar imediatamente a um manicómio, se tantos outros documentos do mesmo género não o classificassem de há muito entre os mais desenfreados vesânicos que a Revolução de 5 de Outubro desencadeou na sociedade portuguesa.» Diário de João Chagas, 5 de Fevereiro de 1919.