sábado, 23 de dezembro de 2006

O zero e o infinito. O Pedro Correia atribui, e bem, o prémio da coerência em 2006 a Ana Gomes, pelo seu olhar “de esquerda” sobre os ditadores – os “maus” e os “bons”. (Aliás, há também o olhar de direita que enferma da mesma miopia). Mas, enganou-se o Pedro rotundamente na última apreciação: “Sob o sol das Caraíbas, até os tiranos ganham logo um semblante mais doce...” – escreve. Puro erro. Se perguntar a Ana Gomes por Rafael Leónidas Trujillo, que manteve a ferro e fogo a República Dominicana entre 1930 e 1961, ela não lhe encontrará a menor doçura . Donde, não é o sol das Caraíbas que confere a doçura aos ditadores. São as amarras ideológicas. Estas amarras já foram fixadas na literatura há muito tempo. O que leva Ana Gomes a dizer sobre Pinochet o que não é capaz de dizer sobre Fidel Castro é o mesmo que levou Rubachov (Bucarine?), personagem de O zero e o infinito, de Arthur Koestler, quando o condenaram à morte por delito de opinião, nos processos de Moscovo, a dizer: “Vou descrever a minha queda de forma a que ela se torne um aviso para aqueles que nesta hora decisiva ainda hesitam e têm dúvidas quanto à direcção do Partido. Coberto de vergonha, arrastado pelo pó, prestes a morrer, descrever-lhes-ei a triste evolução de um traidor para que sirva de lição e de terrível exemplo a milhões de pessoas no nosso país.” Ambos, Ana Gomes e Rubachov sofrem (sofriam) do mesmo síndroma, com uma substancial diferença: o segundo estava nas mãos (tortura física e psicológica) dos seus algozes; a primeira vive em democracia.

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