terça-feira, 19 de junho de 2007

Leituras.

A leitura atenta de Álvaro Cunhal e a dissidência da terceira via, de Raimundo Narciso, por quem tenho grande apreço, não me afastou um milímetro das conclusões que sempre retirei de outras leituras de «dissidências» do partido comunista: foram os protagonistas das «dissidências» que mudaram, não o partido. Mudou o seu olhar sobre os mesmos factos, quer no funcionamento interno, quer na apreciação política nacional e internacional. Podiam ter chegado às mesmas conclusões 10 anos antes, 20 ou 30 anos antes. Não chegaram. Aliás, isso mesmo perpassa em todo o livro. Por exemplo, a propósito da substituição de Krutchev por Breznev, no Verão de 1964, escreve Raimundo Narciso: «Mudança aliás que teve o agrado de Álvaro Cunhal que não apreciava (…) provavelmente o estrondo provocado pelas denúncias do estalinismo.» Se este «agrado» de Cunhal era uma «coisa má», era-o desde a década de 60. Antes de 1974, a ausência de democracia interna «justificava-se» aos olhos de todos os militantes pelas difíceis condições de clandestinidade. Mas, depois de 74, o PC continuou a funcionar rigorosamente como se estivesse na clandestinidade: a velha fórmula leninista do «centralismo democrático» a sustentar o pensamento único e inatacável. E esse funcionamento interno não era (é) uma questão organizativa. É uma questão ideológica. E é desde sempre. Não surge na década de 90. Insisto: não há «acontecimentos» novos no modo de funcionamento ou de análise do PC que expliquem as «dissidências», sobretudo de militantes de muitas décadas, como fundamento para o processo de divórcio com o partido. A explicação encontra-se sempre na mudança do «dissidente» e não do partido. E raramente leio, em obras deste tipo, uma explicação assente nas motivações que levaram o «dissidente» a integrar o partido comunista, a aceitar as regras de organização e a matriz político-ideológica durante décadas e, depois, explicar o seu novo olhar sobre o mundo, a sua mudança como a base sobre a qual assenta a ruptura. Contam-nos sempre a história de que o partido se transformou numa «coisa má», quando na verdade nunca houve qualquer transformação.