domingo, 6 de janeiro de 2008

||| Textos de guerrilha.

«Lusco-fusco. Tantas da tarde. No Chalhariz, já a chegar ao Largo do Camões, quem vejo? À minha frente, e reconheci-o pela sua bela cabeleira prateada (não confundir com a peruca despenteada do Abelaira, reles imitação), Mestre Zé Gomes Ferreira, comendo a furiosas dentadas um palmière. Um rapazito de oitenta anos, com tanta gula e alegria, como eu gostaria de ter, se chegasse à idade dele (não chego, descansem). - Mestre! Olhou para trás, desconfiado, deu a última dentado no bolo, não fosse eu roubar-lho, aturou-me. E como?- Mestre – repeti bem alto -, estou a ler o seu último livro e estou a gostar muito…Era a Memória das palavras. Ele falava bastante do Teixeira de Pascoaes e com o Pascoaes visto pelo Zé Gomes temos sempre que aprender. Diz-me o Mestre:- É pá, é uma chatice. Tas a ver: um escritor aos oitenta anos, que pode fazer. Escreve. E, depois? Repete-se, diz baboseiras, sei lá…Digo ao Mestre:- Não está certo. O Mestre diz ali coisas muito giras, sobre o Pascoaes e mais. Já estávamos na esquina da Rua da Misericórdia. O Mestre, despede-se num gesto largo, sem contradita: LIXEM-SE
(Luiz Pacheco, Textos de Guerrilha, Ler, Editora, 1981)